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  • Foto do escritorMarcelo Smeets

Texto "manhã iluminada" ou "névoa assustadora"?


Uma manhã iluminada

Eu sou fã das tirinhas de Calvin e Haroldo, criação de Bill Watterson, por serem perspicazes e questionadoras. Em uma delas, temos o seguinte diálogo:


Calvin – Eu odiava as tarefas de redação, mas agora estou gostando... Eu vi que a finalidade da redação é inflar as ideias fracas, disfarçar o raciocínio ruim e prejudicar a clareza. Com um pouco de prática, o que a gente escreve pode virar uma névoa assustadora e impenetrável! Você quer ver o relatório de leitura que fiz do livro?
Haroldo (lendo o relatório de Calvin) – A dinâmica da interexistência e os imperativos monológicos em Dick e Jane: um estudo sobre os modos transrelacionais psíquicos de gênero.
Calvin – Academia, olha eu chegando!

A Academia costuma ser mesmo o lugar ideal para esses textos nebulosos e impenetráveis, que buscam transmitir a imagem de grande eloquência e conhecimento. Mas muitas vezes são apenas cortina de fumaça.

Essa praga nebulosa também aparece, tenebrosamente, em textos de ficção. Há autores que fazem descrições pormenorizadas, com detalhes entediantes e que não acrescentam nada ao enredo. Esse mal costuma aparecer, em geral, por algum desses motivos.


Eu pesquisei, entende?

Horas gastas pesquisando, então o autor decide demonstrar que ele “sabe”, que ele “pesquisou” muito. Não é um bom caminho.

Pode ser que o autor tenha dedicado um grande tempo à pesquisa para retratar um cenário ou ambiente de maneira precisa. Mas não é pra inserir todos os dados da pesquisa no texto. Talvez só 20% do que foi pesquisado seja relevante para estar ali, ou menos. Você terá de simplesmente dispensar os outros 80% do seu trabalho de pesquisa? Bem... sim.

O que interessa para o leitor é o desenvolvimento da história, os personagens e suas ações. Por isso, somente o que é essencial para a história deve estar presente.


Eu tenho um vocabulário vastíssimo

A escolha das palavras adequadas para o seu texto depende de quem são os personagens, do período histórico e do ambiente social. Utilizar palavras rebuscadas, sem que elas sejam necessárias é mero pedantismo ou, para usar um termo atual, ostentação.

O leitor quer compreender a história, saber quais são os papéis de cada personagem e muitas vezes se identificar com eles. Caso haja enrolação com uma série de palavras que ele terá de consultar no dicionário ou perguntar ao Google, a possibilidade de ele desistir do texto é grande.


Está nas entrelinhas, compreende?

Alguns escritores escrevem como se seu texto tivesse de ser o mistério dentro do mistério, aguardando Sherlock Holmes aparecer para desvendar, se puder. Textos com detalhes nas entrelinhas são gostosos de ler e há autores que são mestres nisso. Portanto, devem ser escritos, mas sem os exageros que alguns cometem, fazendo com que somente seus autores sejam capazes de desvendá-los.

Escrever nas entrelinhas é a arte de revelar e ocultar ao mesmo tempo. Como toda arte, requer prática e dedicação. Não é bom se aventurar por esse terreno, antes de estar seguro de que não está colocando o leitor em uma situação de “como é que é?” a cada parágrafo.


Não é à toa que esse blog se chama Leitura Clara. Eu sou fã de textos objetivos, claros, que comunicam de acordo com o fim para o qual foram estabelecidos. Isso também vale para os textos que são lidos como entretenimento, as ficções. Seja amigo da clareza e escreva textos que sejam vistos como uma manhã iluminada, ainda que sejam de terror. Stephen King que o diga.

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